quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Simplicidade >> Roberto Carlos Maratta


O capim estava alto e “de vez” quando a mulher desceu do ônibus. Seus pés se perderam naquele chumaço de mato nublado e foi-se, ela para o norte, eu para o sul naquela máquina ensurdecedora e desconfortável. Segui com os olhos aquela senhora, já de idade, talvez dos tempos de Jânio Quadros. Carregava uma sacola, aparentemente pesada pelo andar cambaleante, puxado, para o lado da mão que empunhava o embornal. Antes de perder-se no horizonte, pude ver surgir do interior do capuão de mato, varando a cerca como um boi digno de canga, a ajuda chegar para aquela senhora. Me fez pensar na elegância da humildade.


De pé na calçada, com o corpo enfraquecido pelo cochilo de alguns minutos, passei a seguir meu caminho com o cuidado de reparar nas pessoas, buscando aquela simplicidade observada instantes atrás. Não cheguei a lugar nenhum; o que se diz fácil de julgar foi tão difícil. Então passei a me julgar. Será que tenho essa virtude? Meu ego já preparava os boicotes para as questões que lhe seriam colocadas no momento em que percebi uma canzoada que rodeava um velho homem maltrapilho indo convicto em uma direção definida, a lata de lixo de uma padaria. Andava de forma vagarosa, sem alento, despreocupado com o luxo medíocre das madames e dos “coronéis”  que passavam com seus carrões do ano que o valor do imposto anual compraria um sedã convencional de passeio. Não parei para ver o desfecho, mas na distância que estava pude acompanhar parte da merenda do velho homem que dividia o pão rijo da lixeira com a cachorrada sem preferir pedaços. Literalmente, engoli seco naquele momento. Meus olhos ameaçaram marejar. Segurei.

O luxo é bom e tentador. Me envergonho em dizer isso. Recordo do velho agindo instintivamente como é da natureza de seus melhores amigos. Fiquei imaginando: um homem inserido no capitalismo e sua vida alheia a esse sistema. Talvez não tenha trocas de roupas, um chuveiro quente, uma cama, ou pelos menos um colchão, para descansar o corpo. Contudo, tem o mais importante: a simplicidade, demonstrada naquela partilha espontânea e sincera do pão com seus cães.

- Fique em paz velho esmoleiro. 

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