terça-feira, 11 de outubro de 2011

Viagem para a Estrela [Roberto Carlos Maratta]

Pela rua principal descia uma multidão de pessoas em sua maioria simplórias, aparentemente. Semana de dinheiro no bolso. Osvaldo, rapaz de semblante triste, reparava nos comerciantes que se notava um leve desespero em querer chamar a atenção para seus produtos. Veio-lhe à cabeça imagens de desenhos animados onde se estampava nos olhos do personagem a figura de um cifrão. Passando para ver o jornal do dia na banca da Renata, topa com um casal praticando atos inspirados pela paixão. Enamorando-se. Como uma luz que invade um quarto escuro ao acionar o interruptor, seus pensamentos subitamente são transportados há algumas milhas de distância. Não muito longe. Tenta fazer projeções usando métodos furados de adivinhação e poderes intuitivos buscando causar um impacto de presentes. Fica tentando ver seu desconcerto diante disso, atravessando a rua com passos de pernas descompassadas e usando a boca voluntariamente para tentar demostrar indiferença. Entra na banca e estaciona na pilha de jornais. Parece estarem todos olhando para ele aos cochichos. Finje ler as notícias da primeira página com interesse.  Com um cumprimento de cabeça se despede e sai. O casal não se encontra mais na esquina, o que traz certo alívio e segurança. Continua a caminhada de volta para casa sem prestar atenção na música em execução no seu player. De repente, pega-se cantarolando “And I've made up my mind…” é Here I Go Again da banda Whitesnake. Balada Hard Rock boa para estimular romances.

Gira a chave na fechadura e de dentro da sala é libertado um ar frio conservado, o mesmo da manhã, que deixou aprisionado. Olha para o quadro branco na parede e ainda está ali o mesmo cálculo de Séries de Taylor do último sábado. Senta-se na poltrona e pega um de seus cadernos de anotações, hesita por instantes e começa a escrever sem revoltas ou emoções nos pensamentos. Escreve, até suas ideias criarem uma tendência e transformarem-se em versos nutridos de sanidade. Sim, é um poema. De rimas pobres e ricas. Sustendando o queixo com a palma da mão nem nota o quarto de hora que se passa. Lembra-se do casal da esquina e se pergunta o motivo de tanto pensar nisso. Carência afetiva? Reflete por um instante e não se acovarda em pensar que sim. Tem seus pensamentos em Rosana, mulher de timidez abundante e beleza infindável. Busca sua segunda xícara de café e acende seu terceiro cigarro do dia. Ergue o papel na altura dos olhos e lê:

Se tivesses oh formosura;
Olhos como o de minha amada;
Tens inveja, tens fissura;
Colhendo amargura recém-regada.

Recostado o ardor, enfim, companhia;
Sem compostura me faz lembrar;
Vem com o vento, vã tristeza, que definha;
Vai com o vento o padecer e fica o desejar.

O sofrer é digno e necessário;
Faz-me cru carregando de torpor.
Vens tu, encurtar essa distância;
Sem soberba, deixar sentir o seu calor.

Aprecia novamente suas palavras e outra vez e outra. Enlaça suas mãos por trás da cabeça, fecha os olhos e suspira. Até que resolve destacar a folha passada a limpo, sem rasbiscos e incoerências. Dobra-a em quatro e põe na bolsa que torna sua morada por três dias. Sorri. É mais uma viagem para a estrela.

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