sábado, 15 de dezembro de 2012

Viajando E Escrevendo, Escrevendo E Viajando >> Roberto Carlos Maratta


Viajando E Escrevendo, Escrevendo E Viajando


Prólogo

Atrevo-me a escrever e nem sei a classificação do que escrevo. Será uma crônica, um conto, um artigo? Não sei, prefiro chamar de um singelo “texto”. Escrevo. Leio, releio e sinto vergonha do que escrevi quando me vêm à cabeça as crônicas de Rubem Braga com um vocabulário distinto e uma formalidade peculiar ou o surrealismo de Murilo Rubião que nos envolve com uma trama e, de repente, nos faz saltar do assento ao depararmos com uma passagem, um desfecho ilógico ou chocante e fechando minha analogia penso no dote de Arnaldo Jabor em transformar o trivial em arte literária.

[...]

Consinto com a cabeça.

Acordei querendo escrever algo. Muitas ideias sobre amor, saudade, Schopenhauer e universo. Abro o browser e acesso a rede social com minhas centenas de amigos virtuais que me deixam à vista frases de efeito, pedidos indiretos de bajulação, imagens escarnecedoras ou que passam a ideia de ‘bom samaritano’. Aprecio. E desvio minhas vontades: vou escrever sobre escrever!
‘A gente somos o que escrevemos. A gente se esforça mais não escrevemos tudo certo, mais concerteza o importante é que se entenda.’
Faça-me um favor, se for assim não escreva nada!
Sim, o vocabulário brasileiro é extenso e nossa gramática não é das mais simples. É difícil saber, na íntegra, todas as regras de pontuação, as colocações pronominais e ser um dicionário ambulante de regência. É difícil, mas é nosso dever enquanto brasileiros! E acreditem todos nós somos capazes disso!
Dói as vistas ler palavras como ‘mais’ ao invés de ‘mas’ ou ‘menas’ ao invés de ‘menos’ ou expressões como ‘concerteza’ ao invés de ‘com certeza’. Um detalhe interessante é que nem mesmo o Word reconhece ‘menas’ e ’concerteza’, pois o software corrige automaticamente esses erros – experimente tirar a prova disso. Também, os ouvidos são vítimas de tal holocausto linguístico tendo que suportar dizeres como ‘poblema’, ‘mortandela’, ‘beneficiente’, ‘eu trusse’ e ‘eu tavo’. O desprazer aumenta quando vemos e ouvimos pessoas que, em tese, não deveriam cometer tais erros de fala e escrita. Pessoas formadoras e influentes.
Semanas atrás foi de grande repercussão a notícia de que o Brasil está em penúltimo lugar em um determinado ranking da educação mundial e isso não poderia ser diferente tomando como base a norma inculta da Língua Portuguesa que vemos e ouvimos diariamente. Que alarmante! Que triste! E vai continuar ou até mesmo piorar. Solução? Cada um tem a sua e a minha é: leia livros. Pelo menos um por mês, de início. E existe um livro obrigatório para todo ser pensante, um livro comum a todas as áreas do conhecimento, um livro chamado dicionário. Possua um bom exemplar. Só não vale deixá-lo de enfeite na estante!

[...]

Epílogo

Em um texto ou outro, grandes escritores como Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Pablo Neruda defendem ou dão a entender que o importante é expressar-se sem ter preocupação em obedecer aos padrões normativos de linguagem. De fato, mas não são apenas as ideias, na forma escrita, que são cobradas, são? Aliás, até hoje não encontrei, sequer, uma vírgula mal colocada num texto dos nobres Pessoa, Neruda e Clarice.



P.S.: Deixo dois bons links que possuem ferramentas que nos auxiliam em nosso dever de nos expressarmos bem e corretamente.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Uma palavra emitida, assim como essa mesma palavra omitida, tem um poder e tanto.


Roberto Maratta

terça-feira, 24 de abril de 2012


Bem ao nosso lado podem estar as maiores surpresas que a vida proporciona; para encontrá-las ou percebe-las, exige-se bem mais que mapas ou percepção.
Às vezes, a felicidade que busca pode estar caminhando com você.

Roberto Carlos Maratta

sexta-feira, 30 de março de 2012

Minha (nossa) vida: Eu (Você) e os outros. >> Roberto Carlos Maratta


Tenho minha vida repleta de defeitos, erros e acertos. Os outros também têm a minha vida, apenas com acertos; perfeita.

Eu tenho minhas escolhas, que embora seja óbvio, são todas incertezas. Os outros também têm minhas escolhas, que são certezas absolutas.

Tenho minhas "quedas" e nessa hora, não há outras pessoas, não há ninguém, senão Deus para dar beijinho de "antes de casar sara".

Tenho umas moedas e até algumas dezenas monetárias que passo adiante, para uma vítima da miséria. Os outros também têm moedas e muito mais, mas preferem ajudar com palpites-soluções que não saem do balcão do boteco ou do salão de beleza.

Tenho zelo por muitas pessoas. Para os outros, tenho segundas intenções.

Tenho orgulho e gratidão por pessoas em minha vida; para muitas dessas, não passo de uma opção.

Tenho errado bastante. Algumas vezes, os mesmos erros do passado, e tenho muitos erros novos a cometer.

Importante é viver, pois deixar de viver é muito pior que deixar de existir.

Roberto Carlos Maratta

quinta-feira, 29 de março de 2012

Crônica


Renata, de vestido novo, ficou de lado na frente do espelho, virou o pescoço para ver o traseiro, era um espelho grande que dava para ela ver o corpo por inteiro. Quando coloquei meu paletó, nem sei como me notou, quando olhava para o espelho ela não via mais nada, perguntou você vai sair a esta hora para trabalhar? Meu negócio é vender seguros, você sabe disso, não tenho horário, respondi. Eu preferia que tivesse, são cinco horas da tarde, não sei a que horas vai voltar, já vi que não vamos sair hoje à noite, de que adianta eu comprar roupas novas se não saio com elas? Desculpe, mas tenho que ganhar dinheiro. Você não tem ganho muito ultimamente. A concorrência é muito grande. E isso não era uma desculpa. Pelo menos vou ver o meu desfile, ela disse, ligando a televisão. Havia uma TV a cabo que passava um desfile de moda todos os dias. Quando eu estava na porta Renata disse, as mulheres elegantes agora andam com seios de fora, o que você acha? Ainda não vi isso. Eu disse mulheres elegantes. Quantas mulheres elegantes você conhece? Só você. Se as coisas continuarem assim, não vai ser por muito tempo. Peguei o carro e parei na porta do meu futuro cliente, um prédio de cinco andares. Não parei exatamente na porta, parei um pouco antes. Ele sempre chegava de táxi carregando uma pasta, era um sujeito muito gordo, devia ser das pizzas que comia. Saiu com dificuldade do carro, pensei que desta vez ele estava sozinho, mas o outro cara, um barbudo, saiu logo em seguida. Eu queria visitá-lo quando ele estivesse sozinho, o outro sujeito não estava no seguro e eu não ia desperdiçar o meu latim. Eles entraram no edifício e eu acendi um cigarro. Meu celular tocou. Atendi. É você? Quem podia ser?, eu disse. Diz a senha. Cara, você anda vendo filmes demais. É a maneira que eu trabalho. Você já devia estar acostumado. Foz do Iguaçu. Tenho um seguro para você. Vai ter que esperar. Estou no meio de uma venda. Que apólice é essa? Você trabalha para outro corretor? Isso não interessa. Quando acaba? Não sei. Você também devia estar acostumado com a minha maneira de trabalhar. Acho que você anda meio promíscuo. Preciso ganhar a vida. Você não arranja negócios suficientes. Que ruído é esse? Não ouvi nenhum ruído. Eu ouvi. Você sabe que celular é uma merda. Linha cruzada, os narigudos entram facilmente. Fodam-se os narigudos, não estamos dizendo nomes. Troca de celular. Estou com ele há menos de dois meses. É muito tempo. Eu troco todos os meses. Você é um corretor. O vendedor também tem que fazer isso. Ainda mais um como você, que mija fora do penico. Acabou? Te ligo daqui a dois dias. Esperei meia hora e chegou o entregador de pizza. Falou no interfone que ficava na portaria, a porta foi aberta, ele entrou. Uma mola fechava a porta. O prédio não tinha porteiro. Acendi outro cigarro. Esperei uma hora, fumei 8 cigarros esperando  o barbudo sair. Um táxi parou na porta do prédio e pouco depois o gordo e o barbudo saíram juntos e entraram num táxi. Eu não ia perder tempo seguindo os dois, não me interessava o que eles faziam. Voltei para casa. Antes de entrar, desliguei o celular. Renata estava vendo televisão. Voltou rápido. Vamos pedir uma comida no chinês? Está bem. Você não está muito entusiasmado. Você não gosta de comida chinesa. Confessa. Confesso que não gosto de comida chinesa. Você só gosta de bacalhau. Está tirando sarro comigo? Mais ou menos. Como foi o desfile de moda? Algumas modelos desfilaram com a bunda de fora. O que você acha? Não conheço mulheres elegantes. Está mesmo tirando sarro comigo. No escritório da companhia de seguros você não vai mesmo ver mulheres desfilando com a bunda de fora. Onde que isso acontece? Nos lugares chiques. Lugares onde ninguém anda com um revólver debaixo do sovaco, como você. Não é revólver, é pistola. Me sinto mais tranqüilo com ela. Já imaginou, estou vendendo um seguro numa joalheria e aparece um assaltante? Se aparecer, o que você faz? Não sei. Isso ainda não aconteceu. E você foi vender seguro numa joalheria hoje? Não. Mas levou o revólver. Virou hábito. É pistola. Para mim é tudo a mesma coisa. Vou ligar para o chinês. Comemos a comida do chinês. Renata continuou vendo televisão. Eu fui deitar. Antes fumei um cigarro na área de serviço, Renata não me deixava fumar em nenhum outro lugar da casa. Mais tarde ela entrou no quarto, tirou a roupa. Minha vida é tão chata, ela disse, ainda bem que você não nega fogo. O mérito não era meu. Com a Renata ninguém ia negar fogo. Durante uma semana eu fiquei vendo o gordo chegar de táxi, e o barbudo estava sempre com ele. Nunca vi os dois conversando. Depois aparecia o entregador de pizza. O gordo ficava cada dia mais gordo, mas o outro cara parecia ficar mais magro, vai ver não gostava de pizza. Um dia eu fiquei a noite inteira nas imediações do apartamento do gordo, os cigarros acabaram e eu fiquei ali, esperando o barbudo sair, mas ele não saiu. Então passei a chegar lá de madrugada. O barbudo saía por volta das sete da manhã, ele usava sempre um blusão largo, bom para esconder uma ferramenta, tinha cara de tira, devia pegar o serviço na delegacia de manhã. O gordo só saía de tarde. Cheguei em casa e encontrei um bilhete da Renata. Pra mim chega, fui para a casa da minha mãe. O engraçado é que ela sempre tinha me dito que não tinha mãe. Levou as três malas com as roupas dela, também não tinha muito mais coisa para levar, ela só comprava roupa. Esse assunto tinha que ficar para depois, eu tinha outro problema para resolver antes. Peguei o telefone e pedi comida no chinês, não sei bem por quê. Acho que queria ficar na ponta dos cascos, e a melhor maneira para isso é comer mal. Meu cliente morava no quarto andar. O corredor estava deserto. Tirei o silenciador do bolso e adaptei no cano da pistola. A fechadura da porta podia ser aberta até por um amador. Entrei. O corretor havia me fornecido a planta do apartamento. Não ouvi nenhum barulho, nem fiz nenhum. Ninguém na sala, nem na cozinha. Fui para os quartos, as camas estavam desarrumadas mas nenhum sinal do cliente. A porta do banheiro estava entreaberta. Abri lentamente a porta do banheiro com o cano do silenciador. Meu cliente estava deitado na banheira, com água até o pescoço. Me viu quando entrei, e deu um suspiro. Eu devia atirar logo, mas não atirei. Vai perder o carreto, ele disse, com sotaque de português. Começou a tirar um dos braços de dentro da água. Devagar, eu disse, apontando a pistola para a cabeça dele. Ele me mostrou o pulso, sangue escorrendo. A água não estava muito vermelha. Uma gilete brilhava no chão de azulejo. Sentei no banco ao lado da banheira. Me mostra o outro braço, pedi. Também tinha o pulso cortado. Coloquei as luvas e revistei a casa. Encontrei um revólver, um 22, o tambor carregado. Tirei as luvas e saí. Desci o elevador, pensando. Quando cheguei ao térreo, apertei o botão do quarto andar. Entrei novamente no apartamento do cliente. Ele viu quando entrei no banheiro. Voltou? Quanto tempo demora isso?, perguntei. Não sei. Mas não dói. Coloquei as luvas, fui à sala, peguei a arma do cliente e retornei ao banheiro. Não olha para mim, eu disse. O 22 não faz muito barulho. Atirei na cabeça dele. Mais uma noite sem dormir. Deixei o revólver no chão do banheiro, ao lado da gilete. Liguei do carro para o corretor. Fiz o serviço. Faço o depósito hoje, disse o corretor, e desligou. Gosto de tomar banho de banheira, ler o jornal deitado na água quente. Mas não tomei banho. Entrei só para urinar. Não almocei. Mais uma noite sem dormir. Seria bom se Renata estivesse comigo.

Rubem Fonseca 

quinta-feira, 8 de março de 2012

Uma Questão Ociosa

Já começamos a ouvir, um pouco em toda a parte, a expressão ou rótulo literatura de internet. Como nunca gostei de ver a palavra literatura acompanhada do que seja, limito-me a esboçar o meu famoso sorriso de mico-dourado e declaro que estou fora. Literatura só pode ser literatura, e todo mundo sabe o que é. Que ao longo do processo vão surgindo peculiaridades formais em função das próprias peculiaridades do meio é apenas mais um detalhe, que em nada vai influir na excelência literária deste ou daquele autor. Já disse por aí que Stendhal faria miséria num blogue — imaginem só esse exemplo maior dos escritores com um blogue na internet traduzido entre nós como A CARTUXA DE PARMA. Quem escreve bem escreve até em pedaço de papel de pão e manda entregar em casa. Estão fazendo muita turbulência em torno desta questão, mas é turbulência ociosa, como dizia Euclides da Cunha a respeito de Dom Quixote.

Luiz Guerra

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

TABACARIA


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim…
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno – não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

( Álvaro de Campos ) heterônimo de Fernando Pessoa

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Noções

Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.
Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.
Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.
Virei-me sobre a minha própria experiência, e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.
Ó meu Deus, isto é minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera…
Cecília Meireles

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Ai, meu sono! >> Roberto Carlos Maratta


Cá estou eu. Ilhado. Afoito e desmedido, mas alegre.
Ouço meu toca-fitas, sobrevivente de guerra, convicto que som (chiado) melhor não há.
Sentado, olho os meus livros na estante e tento lembrar o que se passava na época da leitura de cada um. Muitos ainda não li e tento fazer previsões de quando poderei lê-los. Talvez possa começar agora.
Início de madrugada insone. Silêncio quase absoluto não fosse a chuva tímida que ensopa a rua. Nem música, nem poemas me atraem agora. Encaro o volume, bem antigo, de setecentas e tantas páginas de equações diferenciais e regras de cálculo numérico.
A negligência maquia toda beleza do melhor de mim. Como um enxadrista, imagino possibilidades. Tenho um tempo para decidir que jogada fazer; independente da jogada ser boa ou não, sempre terá um fim. Porém, tenho o tempo para essa escolha. O que fazer? Seguir Camus que diz que 'a vida é breve e perder tempo é burrice' ou ponderar as escolhas, esperar o momento oportuno e correr o risco deste não chegar?
Deveria haver amostras grátis de nossas escolhas; podendo assim voltar e manipular os maus resultados e livrar nossa consciência de qualquer tipo de culpa, arrependimento ou até mesmo incompetência. Pode parecer uma infelicidade a inexistência dessa ajuda existencial, contudo é uma importante forma de controlar nossa sensatez que é regulada pelo termômetro de nossas emoções.
Um período de sono é um bom regulador de emoções, porém, na falta, é sensato não fazer nada que não seja justificável.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Amor é síntese


Por favor, não me analise
Não fique procurando cada ponto fraco meu.
Se ninguém resiste a uma análise profunda,
Quanto mais eu...
Ciumento, exigente, inseguro, carente
Todo cheio de marcas que a vida deixou
Vejo em cada grito de exigência
Um pedido de carência, um pedido de amor.

Amor é síntese
É uma integração de dados
Não há que tirar nem pôr
Não me corte em fatias
Ninguém consegue abraçar um pedaço
Me envolva todo em seus braços
E eu serei o perfeito amor.

Mário Quintana

Morena, o seu descaso


Poesia do meu grande amigo Rodrigo Carvalho.


Morena, o seu descaso


Cheguei na praça da Matriz,
Conforme o então combinado.
E pensei na morena, feliz,
Como quem sonha acordado.

Me perdi no seus cabelos
Nos seus olhos de luar...
Em seu corpo cor de jambo,
Para nunca mais voltar.

Quantas flores e carinhos
E afagos sem ter fim...
Quantos beijos, quantas juras
E loucuras, ai de mim!

Mas o tempo foi passando,
No relógio que eu trazia
O ponteiro foi andando
E você não aparecia.

Fui-me embora, de cansaço.
Deixe estar, até um dia.
Que, morena, o seu descaso
Ainda vira em poesia.

Rodrigo Carvalho

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

13 Linhas Para Viver


1) Amo-te não por quem tu és, mas por quem sou quando estou contigo.

2) Nenhuma pessoa merece tuas lágrimas e quem as merece não te fará chorar.

3)  Só porque alguém não te ama como tu desejas, não significa que não te ame com todo o seu ser.

4)  Um verdadeiro amigo é quem te pega a mão e te toca o coração.

5) A pior forma de sentir falta de alguém é estar sentado a seu lado e saber que nunca o poderá ter.

6)  Nunca deixes de sorrir, nem mesmo quando estás triste porque nunca sabes quem poderá enamorar-se do teu sorriso.

7) Podes ser somente uma pessoa para o mundo, mas para alguma pessoa tu és o mundo.

8) Não passes o tempo com alguém que não esteja disposto a passá-lo contigo.

9) Quem sabe Deus queira que conheças muita gente enganada antes que conheças a pessoa adequada para que, quando no fim a conheças, saibas estar agradecido.

10)  Não chores porque já terminou, sorria porque aconteceu.


11) Sempre haverá gente que te irá magoar. Assim, o que tens de fazer é seguir confiando e só ser mais cuidadoso em quem confias duas vezes.


12) Converte-te em uma pessoa melhor e assegura-te de saber quem és antes de conhecer mais alguém e esperar que essa pessoa saiba quem és.

13) Não te esforces tanto, as melhores coisas acontecem quando menos esperas.
Tudo o que acontece, sucede por alguma razão…

Gabriel García Marquez

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Tatão, O Esquartejador


Era domingo que pita cachimbo e Tatão Chaves aproveitou para pedir Lili Mercedes, mestra de letras, em casamento. A cidadezinha de Monte Alegre, sabedora da novidade, botou a cabeça de fora para presenciar Tatão em cima das botinas de lustro e por baixo dos panos engomados. Para avivar a coragem, Tatão bebeu, no Bar da Ponte, meio dedo de licor, coisinha de aligeirar a língua e aromar a boca. Como achasse o licor educado demais, mandou cruzar a bebidinha com cachaça de fundo de garrafa. E recomendativo: — Daquele parati mimoso que até parece flor de jardim. De talagada em talagada Tatão perdeu a mira da cabeça. Embaralhou o pedido de casamento com negócio de disco-voador, imposto de renda e busto de moça. A essa altura, gravata desabada e camisa fora da calça, Tatão preveniu: — Sou o maior dedilhador dos desabotoados das meninas já aparecido em Monte Alegre. Sou Tatão Chupeta! Gritava que era monarquista, que era a favor da escravidão e que o prefeito de Monte Alegre não passava de uma perfeita e acabada mula-sem-cabeça. E para arrematar, ganhando a porta do Bar da Ponte, garantiu: — Só queria que aparecesse neste justo instante um boi cornudo para Tatão esfarinhar o chifre do sem-vergonha a bofetada! Nisso, um boizinho desgarrado apontou na esquina da Rua do Comércio. Tatão cumprindo a promessa, armou o maior soco do mundo. E atrás do soco saiu Tatão, atravessou a Praça 13 de Maio, entrou no Mercado Municipal, desmontou duas barracas, esfarelou um comício de tomates e só parou no Açougue Primavera. E meio adernado sobre um quarto de boi que sangrava em cima do balcão.

José Cândido de Carvalho

Desencanto


Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.


Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.


E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.


- Eu faço versos como quem morre.

Manuel Bandeira

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Gosto Quando Te Calas

Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me ouves de longe, minha voz não te toca.
Parece que os olhos tivessem de ti voado
e parece que um beijo te fechara a boca.

Como todas as coisas estão cheias da minha alma
emerge das coisas, cheia da minha alma.
Borboleta de sonho, pareces com minha alma,
e te pareces com a palavra melancolia.

Gosto de ti quando calas e estás como distante.
E estás como que te queixando, borboleta em arrulho.
E me ouves de longe, e a minha voz não te alcança:
Deixa-me que me cale com o silêncio teu.

Deixa-me que te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longinqüo e singelo.

Gosto de ti quando calas porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tivesses morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre de que não seja verdade.

Pablo Neruda

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O Sobrevivente


Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O amor impossível é o verdadeiro amor

Outro dia escrevi um artigo sobre o amor. Depois, escrevi outro sobre sexo. 
Os dois artigos mexeram com a cabeça de pessoas que encontro na rua e que me agarram, dizendo: "Mas... afinal, o que é o amor?" E esperam, de olho muito aberto, uma resposta "profunda". Sei apenas que há um amor mais comum, do dia-a-dia, que é nosso velho conhecido, um amor datado, um amor que muda com as décadas, o amor prático que rege o "eu te amo" ou "não te amo". Eu, branco, classe média, brasileiro, já vi esse amor mudar muito. Quando eu era jovem, nos anos 60/70, o amor era um desejo romântico, um sonho político, contra o sistema, amor da liberdade, a busca de um "desregramento dos sentidos". Depois, nos anos 80/90 foi ficando um amor de consumo, um amor de mercado, uma progressiva apropriação indébita do "outro". O ritmo do tempo acelerou o amor, o dinheiro contabilizou o amor, matando seu mistério impalpável. Hoje, temos controle, sabemos por que "amamos", temos medo de nos perder no amor e fracassar na produção. A cultura americana está criando um "desencantamento" insuportável na vida social. O amor é a recusa desse desencanto. O amor quer o encantamento que os bichos têm, naturalmente. 
Por isso, permitam-me hoje ser um falso "profundo" (tratar só de política me mata...) e falar de outro amor, mais metafísico, mais seminal, que transcende as décadas, as modas. Esse amor é como uma demanda da natureza ou, melhor, do nosso exílio da natureza. É um amor quase como um órgão físico que foi perdido. Como escreveu o Ferreira Gullar outro dia, num genial poema publicado sobre a cor azul, que explica indiretamente o que tento falar: o amor é algo "feito um lampejo que surgiu no mundo/ essa cor/ essa mancha/ que a mim chegou/ de detrás de dezenas de milhares de manhãs/ e noites estreladas/ como um puído aceno humano/ mancha azul que carrego comigo como carrego meus cabelos ou uma lesão oculta onde ninguém sabe". 

Pois, senhores, esse amor existe dentro de nós como uma fome quase que "celular". Não nasce nem morre das "condições históricas"; é um amor que está entranhado no DNA, no fundo da matéria. É uma pulsão inevitável, quase uma "lesão oculta" dos seres expulsos da natureza. Nós somos o único bicho "de fora", estrangeiro. Os bichos têm esse amor, mas nem sabem. 

(Estou sendo "filosófico", mas... tudo bem... não perguntaram?) Esse amor bate em nós como os frêmitos primordiais das células do corpo e como as fusões nucleares das galáxias; esse amor cria em nós a sensação do Ser, que só é perceptível nos breves instantes em que entramos em compasso com o universo. Nosso amor é uma reprodução ampliada da cópula entre o espermatozóide e óvulo se interpenetrando. Por obra do amor, saímos do ventre e queremos voltar, queremos uma "reintegração de posse" de nossa origem celular, indo até a dança primitiva das moléculas. Somos grandes células que querem se re-unir, separados pelo sexo, que as dividiu. ("Sexo" vem de "secare" em latim: separar, cortar.) O amor cria momentos em que temos a sensação de que a "máquina do mundo" ou a máquina da vida se explica, em que tudo parece parar num arrepio, como uma lembrança remota. Como disse Artaud, o louco, sobre a arte (ou o amor) : "A arte não é a imitação da vida. A vida é que é a imitação de algo transcendental com que a arte nos põe em contato." E a arte não é a linguagem do amor? E não falo aqui dos grandes momentos de paixão, dos grandes orgasmos, dos grande beijos - eles podem ser enganosos. Falo de brevíssimos instantes de felicidade sem motivo, de um mistério que subitamente parece revelado. Há, nesse amor, uma clara geometria entre o sentimento e a paisagem, como na poesia de Francis Ponge, quando o cabelo da amada se liga aos pinheiros da floresta ou quando o seu brilho ruivo se une com o sol entre os ramos das árvores ou entre as tranças da mulher amada e tudo parece decifrado. Mas, não se decifra nunca, como a poesia. Como disse alguém: a poesia é um desejo de retorno a uma língua primitiva. O amor também. Melhor dizendo: o amor é essa tentativa de atingir o impossível, se bem que o "impossível" é indesejado hoje em dia; só queremos o controlado, o lógico. O amor anda transgênico, geneticamente modificado, fast love. 

Escrevi outro dia que "o amor vive da incompletude e esse vazio justifica a poesia da entrega. Ser impossível é sua grande beleza. Claro que o amor é também feito de egoísmos, de narcisismos mas, ainda assim, ele busca uma grandeza - mesmo no crime de amor há um terrível sonho de plenitude. Amar exige coragem e hoje somos todos covardes". 

Mas, o fundo e inexplicável amor acontece quando você "cessa", por brevíssimos instantes. A possessividade cessa e, por segundos, ela fica compassiva. Deixamos o amado ser o que é e o outro é contemplado em sua total solidão. Vemos um gesto frágil, um cabelo molhado, um rosto dormindo, e isso desperta em nós uma espécie de "compaixão" pelo nosso desamparo. 

Esperamos do amor essa sensação de eternidade. Queremos nos enganar e achar que haverá juventude para sempre, queremos que haja sentido para a vida, que o mistério da "falha" humana se revele, queremos esquecer, melhor, queremos "não-saber" que vamos morrer, como só os animais não sabem. O amor é uma ilusão sem a qual não podemos viver. Como os relâmpagos, o amor nos liga entre a Terra e o céu. Mas, como souberam os grandes poetas como Cabral e Donne, a plenitude do amor não nos faz virar "anjos", não. O amor não é da ordem do céu, do espírito. O amor é uma demanda da terra, é o profundo desejo de vivermos sem linguagem, sem fala, como os animais em sua paz absoluta. Queremos atingir esse "absoluto", que está na calma felicidade dos animais.


Arnaldo Jabor

Poema de Clarice Lispector


Leia o poema:

Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...

Agora leia de baixo para cima. Dizer o que de Clarice Lispector?!